Para que os açorianos não ficassem sem o seu pastor espiritual, para que não ficassem sem a celebração do sacrifício da Missa e sem administração dos sacramentos, embarcaram sacerdotes dos Açores e da Madeira para Santa Catarina para proveram as novas freguesias. Entre os primeiros clérigos nomeados, encontram-se o Pe. Domingos Pereira Telles, natural da Ilha do Pico, Vigário da freguesia de Nossa Senhora das Necessidades; o Pe. Manuel Cabral de Bitancourt, natural da Ilha de São Jorge, Pároco da povoação de Nossa Senhora da Conceição da Lagoa; o Pe. Manoel de Souza de Menezes, natural da Ilha Terceira, coadjutor da Matriz; o Pe. Manoel Francisco de Medeiros, natural de Ponta Delgada, Ilha de São Miguel e o Pe. Marcelino de Sousa Abreu, também coadjutor da Matriz, natural da Ilha da Madeira. (In: Cabral, 1970: 103).
Sendo os primeiros padres e párocos provenientes dos Açores e também da Madeira, era natural que as tradições religiosas e suas manifestações fossem preservadas e reproduzidas no correr das gerações.
A Festa do Divino Espírito Santo representa o maior símbolo da presença açoriana no contexto religioso de Florianópolis. Uma força emblemática de louvor e crença que atravessou o Atlântico e foi guardada no coração da gente açoriana bem junto das saudades de suas Ilhas. A sua intensa manifestação, envolvendo todas as comunidades do município, alimenta uma tradição secular que, mesmo sofrendo transformações no decurso do tempo, fortalece uma herança comum que nos une aos Açores e ao seu povo.
Na Ilha de Santa Catarina e na área continental realiza-se a Festa do Divino Espírito Santo: no distrito sede, Florianópolis, na Capela do Espírito Santo localizada na Praça Getúlio Vargas.
É o Ciclo do Divino que se inicia no domingo de Pentecostes, cinquenta dias após a Páscoa, de acordo com o calendário litúrgico da Igreja Católica, nos meses de maio e junho, e que se encerra no mês de setembro.
As mais antigas referências sobre a existência da Irmandade e a celebração da festa datam de 1773, ano da instituição da Irmandade do Divino Espírito Santo da Paróquia Nossa Senhora do Desterro, e de 1776, ano da realização da primeira Festa do Espírito Santo. Apenas em 1806, se realizou a primeira festa da Coroação, sendo o primeiro Imperador o Capitão Manoel Francisco da Costa.
O ato da fundação da referida Irmandade contou com a participação de cinquenta irmãos inscritos que contribuíram com uma jóia de 320 réis (uma pataca) de entrada e assumiram o compromisso de pagar uma anuidade de 160 réis, “bem como aceitar os cargos que lhes saíssem, conforme consta dos termos lavrados pelo escrivão Agostinho José Mendes dos Reis”, informa Henrique Fontes, que foi seu Provedor de 1929 a 1932 (Fontes. 1965: 129). Entre os primeiros irmãos encontravam-se pessoas da maior representação social e política da Capitania da Ilha de Santa Catarina, como o Governador Francisco de Souza de Menezes e sua mulher Dona Caetana Ignácia de Azevedo.
A Confraria de homens livres, de caráter religioso e assistencial, a Irmandade tem como finalidade precípua o Culto ao Divino Espírito Santo, o aperfeiçoamento dos seus membros, a manutenção da capela e alfaias, a administração de estabelecimentos pios e a celebração da festa de seu Orago no domingo de Pentecostes, conforme se dispões no Capítulo I, Secção I, art. 2°, do seu termo de Compromisso aprovado a 3 de novembro de 1937:
A Irmandade festejará o seu Orago no domingo de Pentecostes, com comunhão geral, missa cantada, sermão do Evangelho, Te-Deum e novenas. Estas solenidades terão lugar no todo ou em parte, conforme as condições financeiras da Irmandade.
A sala do Império que ficava junto à Igreja Matriz foi demolida em 1845, sendo substituída por uma nova sala, denominada Capela do Espírito Santo.
Na sua trajetória histórica, a Irmandade enfrentou grandes dificuldades, no que diz respeito ao relacionamento com as autoridades eclesiásticas. Sobretudo no final do século XIX e no primeiro quartel do século XX. Considerada irregular, em 1886, pelo Vigário Padre Manoel Joaquim Alves Soares, voltou a reorganizar-se somente dez anos depois, sendo aprovada no dia 23 de janeiro de 1896, pelo Vigário Geral Forense, Pe. João Batista de Oliveira, que deu posse à nova Mesa Administrativa. Neste mesmo ano, a Irmandade começou a planear a criação de um “Asylo de Orphãos Desvallidos”.
A 8 de setembro de 1910, com grande concurso popular e na presença do Governador Coronel Gustavo Richard, a Irmandade inaugurou aquela que seria a primeira obra social da entidade, o “Asylo de Orphãos São Vicente de Paulo”. Com contrato firmado com a Congregação das Irmãs da Divina Providência e a Sociedade de São Vicente de Paulo.
No aspecto religioso, sobressai o Culto em louvor ao Divino Espírito Santo, o uso dos símbolos (coroa, cetro e bandeira), os rituais de celebração e, principalmente, a Festa do Divino com novenas, missas, orações, pagamento de promessas, cantorias, foliões, périplo da Bandeira, folguedos populares e o Imperador, a Imperatriz e a sua corte, revelando práticas coletivas num ritual longo e solene.
Os jornais da antiga Desterro, a partir do século XIX, davam destaque, nas suas páginas, à importância social e religiosa da Festa do Espírito Santo.
No passado como no presente, as Festas do Divino Espírito Santo promovidas pela Irmandade caracterizavam-se pelos solenes rituais religiosos e grandes folguedos populares que movimentavam toda a Vila de Desterro e vizinhança.
Ao lado da Igreja Matriz Nossa Senhora do Desterro ficava o Império, vivamente ornamentado com flores e veludo vermelho. Era nesse espaço que se realizavam a entronização do Imperador, a bênção dos pães de promessas e se expunham as alfaias do Espírito Santo. Ali também se guardavam os ex-votos de cera, objetos moldados em formato de partes do corpo humano e oferecidos em pagamento de promessas ao Divino.
Ao lado do Império, a Irmandade erguia todos os anos uma grande barraca no vasto adro da Igreja Matriz, destinada ao leilão das “promessas” ou ofertas doadas ao Divino nos dias da festividade.
Um mês antes da festividade, os Irmãos da confraria do Espírito Santo, usando balandrau de seda escarlate, com o emblema da Irmandade bordado no peito, percorriam as ruas da cidade levando a Bandeira do Divino e recolhendo prendas e donativos. Em algumas moradias eram servidos doces e licores ou vinhos. Todos os presentes beijavam a Bandeira e, havendo doentes acamados, o estandarte era levado para ser beijado e para cobrir o enfermo. Ao sair, os foliões cantavam em despedida, agradeciam a doação e com o tambor repicando partiam para a próxima visita.
A Bandeira do Divino corria toda a jurisdição da Paróquia a partir da segunda-feira após a Páscoa até às vésperas do dia de Pentecostes.
As novenas do Divino começam uma semana antes com grande afluência de público que lotava desde o Império, barraca, adro até os recantos da Praça XV de Novembro, situada em frente à Igreja Matriz. Após as novenas, realizavam-se os leilões de prendas e de “massas de promessas”. Eram massas sovadas e doces em formato de membros, órgãos do corpo – pernas, mão, braço, coração, cabeça, seios, que tinham motivado o voto ao Divino Paráclito. A animação ficava por conta da arte do leiloeiro em apregoar os lances com entusiasmo até o arremate final e a entrega da prenda ao arrematante ou a quem o mesmo tivesse dedicado o objeto leiloado como prova de afeição. Tudo decorria num clima de muita animação, com música e queima de foguetes para encerrar a noite festiva.
Com uma duração de três dias (sexta-feira, sábado e domingo) os festejos culminavam no domingo de Pentecostes – dia do Espírito Santo. Nesse domingo, começava cedo a movimentação para a Festa, com a alvorada de foguetel saudando o grande dia. Pela manhã, uma banda de música buscava o Imperador que, num “quadro de varas” e com grande cortejo, seguia em direção à Matriz para a Missa solene da Coroação. Acompanhavam o séquito imperial, os membros da Irmandade, festeiros, autoridades e convidados, tendo à frente o Alferes da Bandeira.
Durante a celebração da Missa Solene, com sermão ao Evangelho e Te-Deum em louvor ao Orago da Irmandade do Espírito Santo, sucediam a cerimónia da coroação do Imperador e a bênção dos pães que seriam doados aos que tivessem feito oferendas.
Nessa altura, ao proferir o sermão, o celebrante anunciava do púlpito o nome do festeiro eleito para o ano seguinte.
Terminada a missa, o Imperador coroado e a sua corte eram conduzidos em procissão para o Império, onde tomava acento no seu trono, recebia cumprimentos e onde os devotos beijavam o cetro encimado pela pombinha. Por volta do meio-dia, o Imperador e o seu séquito, tendo à frente a Bandeira do Divino e acompanhados pela banda musical, dirigiam-se à casa onde seria servido o banquete festivo oferecido pelo Festeiro.
Ao anoitecer, Imperador e comitiva voltavam ao Império e assistiam aos folguedos populares que aconteciam no átrio da Igreja.
Eram três dias de intenso festejo, findos os quais tinha lugar uma bonita e artística queima de fogos mandados buscar à Corte ou vindos de um Estado vizinho.
Até às primeiras décadas do século XX, a festa do Divino Espírito Santo no Desterro (Florianópolis), promovida pela Irmandade, manteve-se como o descrito até aqui, com poucas alterações ou acréscimos. Como por exemplo, o papel do Imperador que era desempenhado por um homem e depois passou a ser por um menino com trajes imperiais, acompanhado de um pajem. Mais tarde, foram introduzidas as figura da Imperatriz, das damas e mais pajens, que formariam a corte imperial.
A Irmandade do Espírito Santo e a sua capela foram, por muito tempo, sediadas num espaço próprio na Igreja Matriz Nossa Senhora do Desterro. Primeiro havia o Império e depois a Capela no lado direito do altar-mor. Finalmente, em 1909, foi transferida para junto do prédio do Asilo das Órfãos, no arrabalde do Mato Grosso, onde se encontra até aos dias de hoje, junto à atual Praça Getúlio Vargas.
Com o passar dos anos, a pompa e a intensidade da celebração foram diminuindo e a Festa sofreu variações locais motivadas por fatores religiosos e socioeconómicos. A tradição entrou no século XX enfraquecida, principalmente no que tange à realização de festas populares junto aos atos litúrgicos pois, em muitos lugares, os folguedos prevaleciam sobre as cerimónias de caráter religioso.
Mas a festa não desapareceu, continuou sendo realizada sempre com grande devoção e fé pelos populares e os abnegados Irmãos, mantendo-se incólumes aos seus ritos tradicionais. Até ao ano de 1983, ela apresentava na sua programação o conjunto de cerimónias religiosas: novenas, tríduos, missas e missa solene da coroação, Te-Deum e bênçãos, etc.
Nos treze anos seguintes, ou seja, até maio de 1996, a Festa entrou em declínio e os festejos populares deixaram de ser realizados. A Irmandade, na sua missão de salvaguardar o culto e de organizar a Festa, limitou-se a respeitar o disposto no Termo de Compromisso e no seu Estatuto, ficando-se apenas por realizar a celebração dos atos religiosos, procissão do cortejo e coroação do Imperador, bênção, distribuição dos pães de promessa e pãezinhos do Espírito Santo.
No ano de 1996, de 23 a 26 de maio, a Festa voltou com toda a força da tradição. O Casal Festeiro, ao aceitar o compromisso para fazê-Ia, assumiu, também, o desafio de resgatar os folguedos populares.
A cidade toda mobilizou-se. A intensa participação das famílias, das empresas, do comércio em geral, originou um sentido de união muito forte e a certeza de que a Festa retornava para ficar, resgatando uma das maiores tradições da nossa terra.
No domingo, dia de Pentecostes, festa do Orago, a alvorada de foguetes saudou a grande data. O cortejo imperial saiu da sede da Irmandade, dando uma longa volta em torno da Praça, sendo vivamente aplaudido pelos populares. Dirigiu-se à Capela do Espírito Santo onde se realizou a solene celebração da Missa da Coroação, presidida pelo Pe. José Artulino Besen, reitor da Catedral, concelebrada pelo Pe. Valter Maurício Goedert e cantada pelo Coral Santa Cecília, sob a regência do Pe. Nei Brasil.
Após a coroação do Imperador-menino, pelo celebrante, o Provedor da Irmandade anunciou o novo Casal Festeiro que, nesse momento, recebeu dos atuais festeiros as alfaias do Espírito Santo. Dada a bênção final, o Imperador e sua Corte, em procissão, dirigiram-se ao consistório, situado junto à capela, onde tinha sido montado um “Império”, que representava a antiga edificação.
O apagar das luzes da praça, o fechar das barraquinhas, o silêncio da noite encerravam mais uma Festa do Divino, desta vez com sabor de reconquista de um espaço que estava guardado na memória coletiva.
O nome de, “Divina Festa do Divino”, foi adotado pela população e daí para frente passou a denominar a festa, sendo hoje assim reconhecida.
Dessa maneira, a partir de 1996, a Festa do Divino Espírito Santo, na Praça Getúlio Vargas, foi revitalizada. Em cada edição se expande, exigindo maior organização e conquistando a posição de ser um dos maiores e mais concorridos eventos da cidade de Florianópolis e um dos pilares de sustentação financeira da Irmandade.
Nos anos subsequentes, a Irmandade contou com a parceria do Colégio Coração de Jesus, o que provocou novas alterações e acréscimos na programação litúrgica: a realização da Procissão Luminosa e Cortejo seguido de Missa Campal no sábado à noite. No domingo de Pentecostes, pela manhã, após a procissão do Cortejo Imperial, introduziu a solene Missa Campal, em louvor do Espírito Santo. Foram criados mais dois cortejos imperiais. Assim, a Festa passou a contar com a Corte Mirim, formada por alunos da Pré-Escola, que se apresenta na quinta-feira à tarde, e a Corte Infantil, por alunos da 1″ a 4″ série do Ensino Fundamental, que desfila na sexta-feira à tarde.
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Entre 1747 e 1753, embarcaram cerca de seis mil homens, mulheres e crianças no Porto de Angra, na Ilha Terceira com destino a Santa Catarina. Foram quatorze viagens, realizadas por seis navios diferentes. A viagem pioneira percorreu 8.000 km e aportou na baía norte da Ilha de Santa Catarina em 6 de janeiro de 1748 (Dia dos Reis Magos).
Em 10 de junho de 1773 fundou-se a Irmandade do Divino Espírito Santo – IDES, instituição católica, sem fins econômicos, sediada em Florianópolis. Em janeiro de 1774, chegaram de Portugal a coroa, o cetro e a custódia, objetos que a instituição ainda possui e que são usados por ocasião das comemorações de Pentecostes. Em 1776 realiza-se a primeira Festa do Orago, hoje Festa do Divino Espírito Santo.
Dos Açorianos, herdamos a fé e o culto ao Divino Espírito Santo que, pelo Compromisso da IDES, temos o dever de propagar. Hoje, no município de Florianópolis, a Festa do Divino é celebrada em quatorze comunidades da Ilha e do Continente. Como reconhecimento, a Divina Festa da IDES passou a ser, em 2018, Patrimônio Cultural de Santa Catarina pela Fundação Catarinense de Cultura e pelo Município de Florianópolis.
A Festa do Divino Espírito Santo teve sua origem em Portugal, na Vila de Alenquer, em 1296, por iniciativa da Rainha Santa Isabel de Aragão, esposa do Rei Dom Dinis.
O culto em louvor ao Divino Espírito Santo, celebrado principalmente na Ilha de Santa Catarina e nos municípios litorâneos, é uma tradição secular trazida pelos açorianos que chegaram, na então Vila de Nossa Senhora do Desterro, em 06.01.1748. “O açoriano transportou no coração a religiosidade, a fé e o culto ao Divino Espírito Santo. Uma tradição secular que representa, hoje, a manifestação mais significativa da cultura popular catarinense” (Jornal da Arquidiocese de Florianópolis, edição de maio/2018).
Nesta Irmandade, é conhecida por DIVINA FESTA – A Festa da Família e remonta a 1776, através das chamadas “barraquinhas”, ela tem sido um pilar de sustentação financeira para o desenvolvimento dos Programas de atendimento da Irmandade do Divino Espírito Santo.
Outro objetivo prioritário da IDES é divulgar e incentivar a devoção ao Divino Espírito Santo, mantendo viva essa tradição de religiosidade e fé, hoje presente em quatorze comunidades de Florianópolis, cuja comemoração tem início com o Ciclo do Divino, antes de Pentecostes, e perdura até setembro de cada ano.
A Festa passa constantemente por significativas transformações, influenciadas por critérios de qualidade, tecnologia, beleza e cuidados gerais com os detalhes, para que o resultado seja cada vez mais positivo.
Assim, o evento na versão atual, encontra receptividade e apoio da comunidade, cujas famílias, relembrando os velhos tempos, reúnem-se para celebrar a Festa de Pentecostes.