História

As raízes ancestrais desta tradição popular radicam na sagrada escritura e na espiritualidade medieval apresentada por Joaquim de Fiora, cujo pensamento, disseminando-se pela Europa, chegou até à Península Ibérica através das diferentes ordens religiosas que nela se foram instalando – Cluny, Cister e Franciscanos e, por estes, aos Açores, aquando da colonização destas ilhas atlânticas. A génese deste culto, a sua promoção e difusão em Portugal é atribuída a D. Isabel de Aragão, casada com o rei D. Dinis, conhecida como a Rainha Santa.

Hino do Divino Espírito Santo

O TEATRO, A CASA OU O IMPÉRIO DO ESPÍRITO SANTO

O Espírito dificilmente se representa. «É o Espírito Santo – Deus, misericórdia», como se reza diante da coroa. Já nos evangelhos aparece «como» pomba, «sob a forma» de línguas de fogo. Nunca é tal qual o que se vê. É sempre menos e inadequado o que se vê. Também na cultura e religiosidade açorianas está presente sob a forma de Império, de coroa, de cetro, de bastão, de bandeira, de menino e de pobre. Porque O vestiu de prata e flores, foguetes e arraiais, alfenim e massa cevada (e sovada), carne, pão e vinho é que o Espírito Santo é conhecido por todos os açorianos, sendo ignorado noutras paragens do universo católico.

O ritual e simbólica do Império não são uma mímica para ridicularizar quem quer que seja ou para destituir poderes legitimados, apesar da crítica social que os festejos encerram, com as suas hierarquias e oficiais próprios. Tudo é feito com seriedade, sem vergonhas ou falsas imitações de presunção ou provocação, respeitando os papéis de todos os intervenientes. Assim é a tradição imperial, sem apropriações indevidas, com propriedades e lideranças demarcadas.

Quando dizemos «Império» nos Açores queremos referir-nos à dinâmica em si mesma que engloba a prática e os festejos, quer no culto e na caridade; quando dizemos «império» referimo-nos ao local onde decorrem os festejos (grupo central), também em forma de teatros (grupo oriental) ou casas do Espírito Santo (grupo ocidental).

Podemos encontrar uma inspiração remota para a construção dos teatros e impérios no Livro de Ezequiel (48, 30-35) quando se fala das doze portas de Jerusalém, quatro para cada lado. De umbreiras abertas, passou a usar-se portas e janelas, por razões de conveniência e sanidade pública. O império nunca está montado ao nível do solo, por apresentar uma quadro diferente do existente e para proteção de tempestades existenciais. O Livro do Apocalipse (21, 10-16) volta a falar de «uma muralha grossa e alta, com doze portas», três para cada lado, com doze pilares. A nova Jerusalém havia de ser quadrangular, com o cumprimento igual à largura. Estariam estes textos nas mentes dos arquitetos populares açorianos?

O Espírito Santo manifesta ser do seu agrado a prestação de tal culto, como vemos por inúmeros testemunhos e abundantes narrações de milagres. Estes querem claramente mostrar que o Espírito Santo quer ser adorado com a festa do Império, pela razão de nela se incluir as esmolas e jantar aos pobres.

A comunidade que vive a prática do culto do Espírito é um modelo indireto de crítica social. A realidade do Império é relevante pelos apelos que faz: a memória espiritual que se mantém viva, como, aliás, é função própria do Espírito – Paráclito, recordar (avivar) tudo quanto Cristo disse e ensinou; a evocação simbólica do modo de entender o serviço em termos de simplicidade e inocência; a partilha dos bens com os pobres e marginalizados da sociedade, onde a pobreza não é sinónimo de carência, mas de partilha, multiplicação e abundância. Estas festas proclamam a dignidade de toda a pessoa, sobretudo das crianças e dos pobres, como diz o próprio ato de coroar.

As festas ao Divino Paráclito têm sentido como reação à despersonalização e desenraizamento trazidos pela globalização, ao assistirmos a um movimento de procura e defesa das raízes culturais e religiosas mais profundas das nossas identidades. Não há fundamentos para afirmar a sua natureza pagã, a não ser a pretensão de justificar um neo – paganismo ou secularismo prático.

O proveito cultural destas festas é a sua transição para a vida, como seja o exercício da justiça e do poder, o menino e a inocência, a bondade e a partilha. Assim, as festas do Espírito Santo podem levar a um processo de conversão e mudança, na ordem religiosa, moral, intelectual e social. Na sua simplicidade, estas festas constituem uma resistência crítica e profética ao poder político e económico, e são como que uma reserva histórica do pensamento utópico, poético e evangélico.

O culto do Espírito Santo pode servir de pedagogia na perspetiva do dom e da justiça. Enquanto outras manifestações estão associadas à penitência e à dimensão individual do sujeito, neste culto as promessas são fruto do que se dá, partilha e recebe, sonhando com um mundo de abundância e justiça, sinal messiânico do Reino de Deus, sob a presença e soberania do Espírito.

Hélder Fonseca Mendes

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História

A Festa do Divino Espírito Santo é uma realidade profundamente ligada à alma açoriana. Trata-se de uma forma de religiosidade popular impregnada dos mais puros e genuínos princípios cristãos, alicerçada numa pluralidade de manifestações de amor ao próximo, que passam pela partilha de bens, pela solidariedade social e pela gratidão a Deus, em profundo reconhecimento por graças obtidas.

As raízes ancestrais desta tradição popular radicam na sagrada escritura e na espiritualidade medieval apresentada por Joaquim de Fiora, cujo pensamento, disseminando-se pela Europa, chegou até à Península Ibérica através das diferentes ordens religiosas que nela se foram instalando – Cluny, Cister e Franciscanos e, por estes, aos Açores, aquando da colonização destas ilhas atlânticas. A génese deste culto, a sua promoção e difusão em Portugal é atribuída a D. Isabel de Aragão, casada com o rei D. Dinis, conhecida como a Rainha Santa.

A forte implantação e proliferação deste culto nas ilhas fica-se a dever a fatores de natureza variada de entre os quais se podem destacar as atividades cívica e pastoral dos franciscanos, a formação dos primeiros colonos que já conheciam e praticavam estes ritos, a necessidade de proteção e de solidariedade na luta contra adversidades comuns: o isolamento e as intempéries que, ciclicamente, aconteciam no arquipélago, a resistência à governação filipina, pela afirmação e prática das tradições e usos locais, entre outros.

A festa do Espírito Santo não se circunscreve apenas à realidade arquipelágica açoriana, ultrapassou-a com o fenómeno emigratório das suas gentes, pelo que passou a fazer parte integrante das suas vidas, nas comunidades que as acolheram. Deste modo e por este meio, este culto realiza-se, hoje, no Brasil, nos estados onde a presença açoriana e de açordescendentes teve grande expressão e significado; nos Estados Unidos, nas comunidades radicadas na área da Nova Inglaterra, Califórnia e no longínquo Havai, entre outros Estados; nas Bermudas e, por último, no Canadá, nas províncias do Ontário, Quebeque, Alberta, Manitoba e British Columbia.

As centenas de irmandades dispersas pelo arquipélago dos Açores e pelas comunidades açorianas da diáspora refletem fielmente o profundo significado e a abrangência que esta tradição centenária ocupa na vida dos açorianos e dos seus descendentes. Esta realidade está superiormente definida e expressa nesta frase de Vitorino Nemésio tirada do seu livro Mau Tempo no Canal – Obras Completas VIII, Lisboa, Imp. Nac., Casa da Moeda, 1994, página 173 “… As Festas do Espírito Santo enchem a primavera da vida de um movimento fantástico, como se homens e mulheres imitando os campos florissem”.

O culto ao Divino Espírito Santo é de tal modo emblemático da açorianidade que o Governo dos Açores o associou à celebração do Dia dos Açores e da Autonomia, visto tratar-se da manifestação pública que melhor define e identifica o povo dos Açores.

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Símbolos do Divino Espírito Santo

É nos objetos, nas práticas e nos intérpretes do culto do Divino Espírito Santo que se revelam os símbolos e signos dos conceitos que lhes estão subjacentes, repetindo-se uma e outra vez, como que a confirmar a coerência do discurso e a reforçar a sua ideografia. Exprimem uma realidade que, estando oculta, por todos é comummente compreendida. Intermedeiam e revelam os significados profundos de um culto no qual todos os sentidos estão envolvidos, e é portanto natural que seja também através de todos os sentidos que a simbologia se exprima.

Os símbolos

Desde logo, existe toda uma SIMBOLOGIA DE CORES expressa no culto do Divino Espírito Santo, e presente em toda a sua cultura visual, e que é dominada pelo uso do vermelho-escarlate e do branco.

O vermelho é a cor da bandeira do Espírito Santo, das fitas que decoram os objetos simbólicos. Cor sumptuosa, reservada a pontífices e imperadores, representa o poder supremo. Vermelho e branco são as cores simbolicamente consagradas a Javé, como Deus de amor e sabedoria.

Branca é a pomba do Espírito Santo, e brancas são as bandeiras içadas junto dos Impérios durante as celebrações. Branco é também o papel que reveste o trono onde repousa a coroa, em casa do imperador. Se o branco pode significar o vazio, também ilustra na perfeição a plenitude, o conjunto de todas as outras cores. Não será por acaso que as fitas que decoram as varas oscilam entre a combinação branco-vermelho e um conjunto de sete cores distintas. Mas sendo a soma de todos os valores, o branco é, simultaneamente, uma não-cor. É neste carácter ambíguo e de fronteira que se entende o branco como valor de passagem, encerrando a potencialidade e a possibilidade, temas caros ao idealismo utópico que está na génese do culto do Espírito Santo.

Fotografia DRCom - Império dos Quatro Cantos

Fotografia DRCom – Império dos Quatro Cantos, Sé, Angra do Heroísmo

A POMBA é símbolo do espírito divino nos Evangelhos – o sinal por excelência do Espírito Santo – e encontra-se transversalmente representada na iconografia destas celebrações: na coroa e no cetro, na bandeira (e na sua haste), nas oferendas de alfenim. Desde tempos pré-cristãos que assume o valor daquilo que é imperecível: a alma, o princípio vital.

Para além do objeto concreto, a COROA surge representada numa variedade de iconografias quotidianas distintas: na fachada dos Impérios e outros edifícios, nas louças, nos contornos de canela do arroz doce das funções, simbolizando sempre o poder e a autoridade – o Império – do Santo Espírito. Mas transmite também uma ideia de intermediação: entre a materialidade humana que lhe fica subjacente e a espiritualidade celeste, a divindade.

Os objetos simbólicos
O culto apoia-se na utilização de um conjunto de objetos litúrgicos, que dão forma corpórea à fé popular. De entre todos, os mais importantes são o conjunto da COROA, ORBE e CETRO que, além da natureza de alfaias do culto, possuem por si só valor simbólico.

Fotografia: José Guedes da Silva Acervo: Museu de Angra do Heroísmo

Fotografia: José Guedes da Silva
Acervo: Museu de Angra do Heroísmo

A COROA é utilizada em várias funções rituais: é entregue ao Imperador aquando da sua eleição e é-lhe confiada até ao domingo seguinte ao da Páscoa, e perante ela decorrem alguns dos momentos mais significativos das celebrações, como o holocausto dos animais para a refeição comum. Tem reservado um trono, onde repousa, tanto no Império como na casa do Imperador. É formalmente uma coroa imperial em prata – embora também se encontrem as de casquinha e latão – usualmente com entre três e seis braços. A coroa é encimada por uma ORBE em prata dourada, sobre a qual, por sua vez, assenta a imagem de uma pomba de asas estiradas, que confere à trilogia dos objetos litúrgicos do Santo Espírito o simbolismo da universalidade do seu Império.

Fotografia DRCom - Império dos Quatro Cantos

Fotografia DRCom – Império dos Quatro Cantos, Sé, Angra do Heroísmo

Enquanto extensão simbólica do braço que ordena, o CETRO completa a expressão de autoridade da coroa. Também é lavrado em prata, e encimado por uma pomba de asas estiradas.

Fotografia DRCom - Império dos Quatro Cantos

Fotografia DRCom – Império dos Quatro Cantos, Sé, Angra do Heroísmo

Tanto a coroa como o cetro podem ser, no seu uso ritual, decorados com laços de fita de seda branca – por vezes também vermelha. Também sucede que os braços da coroa sejam guarnecidos com pequenos botões de flor de laranjeira em tecido branco.

A VARA ou BASTÃO, de madeira polida e com cerca de metro e meio de comprimento, são empunhadas por um número variável – geralmente doze – de participantes nas cerimónias e cortejos. São encimadas por um suporte  para uma vela, daí serem ainda conhecidas por TOCHAS. São por vezes decoradas também com fitas. Têm um triplo valor simbólico: o da autoridade – recordemos as antigas varas judiciais e municipais –  o de apoio à marcha do peregrino, e do bordão do pastor do rebanho alegórico que constituem os fiéis.

Fotografia: José Guedes da Silva Acervo: Museu de Angra do Heroísmo

Fotografia: José Guedes da Silva
Acervo: Museu de Angra do Heroísmo

A BANDEIRA anuncia os cortejos e assinala as casas onde, nesse momento, reside a coroa do Divino Espírito Santo. Em damasco escarlate, tem representada ao centro, em relevo, a pomba branca, de onde irradiam raios de luz de branco e prata. Uma versão menor da bandeira escarlate é hasteada na casa do Imperador, enquanto aí permaneça a coroa. Junto ao Império são dispostas bandeiras brancas tendo pintadas cenas relativas ao culto.

Fotografia DRCom - Império dos Quatro Cantos

Fotografia DRCom – Império dos Quatro Cantos, Sé, Angra do Heroísmo

Andreia Falcão Mendes

Direção Regional da Cultura

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